domingo, 2 de setembro de 2012

A OVELHA PERDIDA



                 Li com atenção o artigo do Pr. Paulo Machado, um religioso respeitado, (A Síndrome da Identidade Cristã), que utilizou versículos bíblicos para atacar a esquerda e demonstrar que, “aqueles que estão à esquerda de Deus”, são os ‘malditos’, afirmando coisas horríveis contra a esquerda e reverenciando a direita. Acho que um pastor devia olhar mais para o coração dos homens e tentar encontrar o caminho do perdão, porque o “amai-vos uns aos outros” é mais forte do que qualquer ódio e qualquer ofensa.

                 Não vou aqui enumerar os crimes da direita, na longa marcha da humanidade em busca da paz, apenas vou lamentar que a Bíblia seja utilizada para atacar posições políticas, especialmente em período eleitoral. Prefiro ficar com os pastores que não têm partido (ou o utilizam fora de suas igrejas e de forma respeitosa), que não usam o nome de Deus em vão, que amam a todos, sem distinção, que preferem os mais fracos, as ovelhas perdidas, que amam os mais pobres, porque é fácil amar os mais ricos.

                  Todavia, se querem o debate político sobre as ‘coisas de Deus’, escritas na Bíblia, como se comportavam mesmo os partidos do tempo de Jesus?

                 Os Partidos de Deus, surgidos entre 103 e 76 a.C., na Palestina do tempo de Jesus, tripolarizavam a simpatia e a aversão dos israelitas, como veremos. Fariseus, saduceus e zelotes, cada um com a sua concepção religiosa e política, dividiam as atenções e interesses da massa de fiéis.

 
                 Fariseus

                 Partido religioso judaico, descendente dos assideus do tempo dos macabeus.

                 Os assideus deram, também, origem aos essênios, associação religiosa judaica da Palestina, de caráter monacal e tendência ascética. A formação religiosa de seus membros contemplava um ano de Postulantado e dois de Noviciado. Seus membros faziam juramento de pobreza, castidade e obediência e recebiam uma doutrina secreta. João Batista, o precursor de Jesus, era um essênio, quando São Lucas o anuncia: O menino crescia e se fortalecia em espírito e morava no deserto, (Lc.1 ,80). Assideus ou hassidim, em hebraico, significa os piedosos.

                 Os fariseus defendiam a teocracia, mas eram moderados frente à ocupação romana. Acreditavam na ressurreição, nos anjos e na imortalidade. Junto ao povo gozavam de grande prestígio e liderança.

 

                 Saduceus


                 Partido religioso e político, originários de Sadoc, o Sumo Sacerdote colocado por Salomão em lugar de Abiatar: Depois o rei nomeou o Sacerdote Sadoc como substituto de Abiatar, (1Rs. 2, 35).


                 Os saduceus surgiram de uma dissidência dos fariseus, em 135 a.C., quando Jônatas usurpou o Sumo Sacerdócio. Na política, os saduceus apoiavam a dominação romana e controlavam a nomeação dos Sumo Sacerdotes. Os saduceus negam a ressurreição e a existência de anjos e espíritos: E chegando até ele (Jesus), alguns saduceus, que afirmam não haver ressurreição, (Mc. 12, 18).

 
                 Zelotes

                 Sobrenome do Apóstolo Simão, quando Jesus escolheu os doze apóstolos: E Simão chamado Zelotes, (Lc. 6, 15). Partido revolucionário e nacionalista, muito ativo entre os anos 6 e 70 d.C. Opositores radicais da dominação romana, defendiam o estabelecimento da teocracia, expulsando, pela força, os dominadores estrangeiros.

                 O partido dos zelotes ganha força quando um influente membro do partido dos fariseus provoca uma dissidência, assumindo uma postura mais radical frente à ocupação romana. O fato está registrado, quando o fariseu Sadoc questiona Jesus sobre o pagamento de imposto aos romanos: Dize-nos, pois, tua opinião: “é lícito pagar imposto a César ou não?”, (Mt. 22, 17). A resposta de Jesus: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, (Mt. 22, 21), apesar de fazer uma concessão à política dos saduceus (Dai a César o que é de César), outorga elementos (E a Deus o que é de Deus) para que zelotes e fariseus nacionalistas alimentem a sua política de combate à ocupação romana.

                 Jesus, pelos relatos bíblicos, nutria uma forte simpatia pelos Zelotes, apesar de condenar seus métodos violentos: Põe a espada na bainha, pois quem toma da espada, pela espada morrerá, (Mt. 26, 52), quando repreende Simão Pedro, que ferira Malco, o servo do Sumo Sacerdote, que viera prender Jesus. Quando condena a exacerbada subserviência de fariseus e saduceus (escribas que escolhiam o Sumo Sacerdote), indica ao povo da Palestina o partido político-religioso de sua opção: Ai de vós escribas e fariseus, que pagais o dízimo, mas não vos preocupais com a justiça, (Mt. 22, 23). Algumas passagens bíblicas relativas aos últimos dias de Jesus e após ele, indicam que a sua preferência pelos zelotes fez seguidores:

                 - Na escolha dos doze apóstolos, Jesus indica Simão, membro do partido dos zelotes, chamado, ainda, de cananeu, habitante de Canaã, terra prometida por Deus e conquistada pelos israelitas, situada entre o vale do rio Jordão e a costa do Mediterrâneo.

                 - Quando Pôncio Pilatos levou, ao povo, a opção entre soltar Jesus ou Barrabás, um zelote, o povo preferiu Barrabás! É lógico que a massa fanatizada foi convencida pelos Sumo Sacerdotes e anciãos (saduceus e fariseus), todavia, não teria tomado aquela decisão, se os zelotes não exercessem algum prestígio. O prestígio dos zelotes, representados por Barrabás, está registrado no episódio da condenação de Jesus: Era costume, por ocasião da festa, o Governador libertar um preso a pedido do povo. Havia então um ‘preso famoso’ chamado Barrabás, (Mt. 27, 15-16).

                 - O Sumo Sacerdote Ananias, que mandou esbofetear o Apóstolo Paulo, por este pregar a mensagem de Cristo, foi assassinado pelos zelotes em 66dC. O Apóstolo Paulo profetizou o seu fim: Deus te ferirá também a ti, parede caiada!, (At. 23, 3).

                 - Quando os Apóstolos Pedro e João foram levados diante do Sinédrio, controlado pelos saduceus, um doutor da Lei, chamado Gamaliel, advertiu os israelitas de que aqueles homens poderiam estar a serviço de Deus. E, ao compará-los com dois revolucionários (Teudas e Judas, o Galileu), o escriba associava os Apóstolos Pedro e João aos zelotes: Israelitas, considerai bem o que ides fazer com estes homens. Há algum tempo apareceu um certo Teudas, que se considerava grande homem. Com ele se associaram cerca de quatrocentos homens. Ele foi morto e todos os que o seguiam foram dispersos e reduzidos a nada. Depois dele levantou-se Judas, o Galileu, nos dias do recenseamento e arrastou o povo consigo. Mas também ele morreu e todos os que o seguiram se dispersaram. Não vos metais com estes homens, deixai-os ir. Se for iniciativa ou obra dos homens, perecerá. Mas, se vem de Deus, não podereis eliminá-los e algum dia talvez constatareis terdes combatido a Deus, (At. 5, 33,39).

                 Como vimos, espiritualmente, saduceus, fariseus e zelotes defendiam a teocracia. Saduceus e fariseus dividiam-se entre acreditar ou não na existência de anjos, na ressurreição e na imortalidade. Os primeiros acreditavam, apenas, na imortalidade. Quanto aos zelotes, expulsos das sinagogas, não lhes era dado o direito de manifestar-se sobre questões teológicas. Ocupavam as catacumbas, para venerar o seu Deus e organizar a resistência armada aos romanos.

                 No terreno político, em relação ao poder romano, que ocupara a Palestina, os três Partidos de Deus tinham posições definidas. Os saduceus, de direita, apoiavam a ocupação romana. A sua posição subserviente à ocupação estrangeira rendeu-lhes o direito de nomear os Sumo Sacerdotes. Os fariseus, de centro, oscilavam entre o apoio à ocupação romana e o anseio de libertação do povo da Palestina. Quanto aos zelotes, de esquerda, defendiam a expulsão, pela força, dos romanos.

                 Apesar desses conceitos (direita, centro, esquerda) terem surgido somente quinze séculos depois, introduzimo-los para demonstrar que, já naquela época, os partidos tinham posições definidas e o resultado destas era cristalino. O partido dos fariseus, por exemplo, ao transitar entre o apoio e a crítica à ocupação romana, tornara-se o partido que, junto ao povo, gozava de grande liderança e prestígio E por que isso? Os fariseus afastavam-se do combate frontal à ocupação romana que, realizado pelos zelotes, provocava mortes, perseguições e exílios. Assim, os israelitas da Palestina (ocupada, em 332 a.C., pelos exércitos de Alexandre Magno) viam nos fariseus, o equilíbrio entre a intolerância dos zelotes e a subserviência dos saduceus, frente à ocupação romana. Apesar da humilhação e dos pesados tributos (apoiados pelos saduceus), o povo optara por viver sem sobressaltos (fruto da política dos zelotes), acreditando que os fariseus, com a sua política de equilíbrio, negociariam a retirada pacífica dos romanos.

                 Todavia, isso foi no tempo de Jesus. Agora, é preciso separar Religião de Estado e Partido de Igreja. Que cada homem e cada mulher professem a sua fé, acolham a sua igreja e não permitam que o nome de Deus seja utilizado por interesses mundanos, seja de direita, seja de esquerda.

 
Moisés Diniz é membro da Academia Acreana de Letras.

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