PAI,
Você
nem está aqui para que eu possa te abraçar. Durante toda a minha infância você
ficou longe, nos seringais, nas matas, nos rios, seringueiro, mateiro, pescador
de alimentos e caçador de abrigo para nós, teus filhos.
E
durante toda a minha adolescência fiquei longe de você, porque eu acreditava,
vivendo no internato da Igreja, que Deus iria curar todas as dores do homem,
bastava que eu fizesse a minha parte, seguindo-O.
Agora
você me prega esta peça: foi viver com Deus e ainda levou a minha mãe. Hoje me
sinto perdido no meio desses homens e dessas mulheres que se tornaram RGs e
CPFs, como se o ser humano não tivesse alma, apenas conta bancária e cargo
público.
Aqui
somos tão poucos a chorar, a abraçar os mais pobres, a compartilhar. E eu nem
sei mais se ainda estou entre eles. Nem sei se a minha alma ainda está
iluminada dos tempos em que compartilhar e ser solidário era a ação mais
grandiosa do homem.
O
tempo é tão veloz, tão exigente e pragmático, que o orvalho está desaparecendo,
consumido por imensos blocos de concreto e a lua disputa inconsolável o seu
espaço com as grandes luminárias artificiais.
Você
me ensinou a olhar o mundo de um jeito terno, mas, também corajoso, fraterno.
Diariamente, imensas nuvens de poder e de cobiça devoram a minha simplicidade e
me tornam um mamulengo do capital que destrói e mata. Sinto vergonha das minhas
covardias e dos meus medos de amar com plenitude os seres humanos que sofrem
nesse planeta de privilegiados.
Queria
poder te abraçar no teu dia, como eu fazia, quando não entendia o teu cinturão,
para corrigir as minhas estripulias. Sinto falta do teu sorriso e do teu
abraço, dos teus conselhos e das tuas preocupações.
Sei
que meus irmãos e minhas irmãs também sentem muito a tua falta. Você era como
chuva que cobria a todos sem distinção, nos amava com calma e firmeza e nos
ensinava as primeiras palavras da solidariedade, do amor e do tratar bem o
próximo.
Você
quase não dizia nada, não era pós-doutor, mas nos ensinava com o exemplo, com o
olhar, com a simplicidade de trazer para casa a pouca comida para tantos
filhos, de cobrir tantos com tão poucos lençóis.
Você
foi um pai espetacular!
Se
o que temos as traças levarem, não farão parte do patrimônio que você deixou. O
teu suor sequer deu para nos deixar uma casa, mas você e mamãe nos deixaram uma
montanha de diamante, uma jazida de ouro, porque é um tesouro de exemplo, de
vida e de ética.
Quando,
às vezes, o ambiente em que vivo inclina-se para situações amorais, eu me lembro
de você e me esforço para seguir limpo. As dificuldades que passamos juntos,
eu, você, mamãe e meus irmãos, não nos autorizam a tornar-nos lobos do
semelhante, não nos ensinaram a perverter o homem bom que Deus deixou dentro de
cada um de nós.
No
teu dia, eu sequer posso ir à tua casa sagrada, porque está lá do outro lado do
mundo. Se estiveres me ouvindo, pede por todos os homens. Diz aí baixinho pra
Deus que a humanidade já não aguenta mais de tanto sofrimento, tantas mortes
bárbaras, inocentes torturados, seviciados, gente sem casa para dormir uma
noite e sem pão para cobrir uma parte do estômago.
Diz
aí baixinho pra Deus que nós nos perdemos e não estamos conseguindo achar o
caminho de volta, do tempo em que a gente amava de verdade e estendia a mão,
que sabia compartilhar e conseguia ser irmão.
PAI!
Um comentário:
Nosso pai está em festa com a bela homenagem.Em sua simplicidade se deleitava em dizer aos amigos que seus filhos eram muito 'sabidos'.Nossa caminhada era sua grande alegria.Quando não podia mais andar, recebia a visita das filhas com seu olhar sereno; muito quieto, respondia nossas perguntas mas não esquecia de perguntar pelos filhos que moravam distante.No caso, você e o Mauro.Nós então repetíamos a função de cada um para ver seu olhar triunfante com olhos marejados e um sorriso leve, quase enigmático.
Parabéns queridíssimo irmão pelo seu Dia dos Pais.
Carinhosamente
Fátima Diniz
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