O ano que vem será maior do que esse que morre, esse terrível ano que me levou o emprego, a mulher que eu amava, a casa financiada, os amigos que não me viam sem carro e cheque especial, a esperança escatológica, que de lógica não tinha nada, de perdoar minhas dores no colo divino de todos os anjos.
O ano que vem não pode ser menor do que esse que se despede, esse bendito ano que me manteve vivo, sem aids, hanseníase, verminose, psoríase, morte de avião, no fogo, no trânsito, na água, encurralado pelos traficantes, balas perdidas, a morte precoce que embruteceu o mundo e derramou lágrimas de um milhão de mães e irmãs.
Um ano bom que eu não soube guardar as manhãs que ele me ofereceu, as madrugadas para amar em silêncio, as tardes mornas para erguer amigos e cada entardecer para convencer os meus inimigos de que o ódio não é maior do que algumas gotas de chuva ácida, demônios perdidos, fezes.
Vou entrar na porta iluminada de 2012 como um mendigo que implora o alimento e a afeição, cheio de salmos nos lábios, como se um profeta me dissesse aonde se encontra a morada sagrada dos deuses que constituíram meus rins e o meu cérebro de antropoide que não ama mais do que uma formiga ou um lobo.
Olharei para os meus calcanhares para tirar a prova do meu egoísmo e da minha profunda letargia em amar aqueles que precisam de amor, atrofiado na minha oração mendicante que implorou aos céus para que o meu corpo tomado de vermes fosse limpo, sob as bênçãos do meu padroeiro, nas águas santas do meu último rio.
Lembrarei da mensagem dos purgatórios de que um pecado nem tão grave e nem tão leve cabe na palma da mão paternal de Deus e o único incômodo que traz é o tempo que os anjos levam entre o inferno e os céus para conhecer a angústia nos olhos de Lúcifer quando perde uma alma do mundo dos filhos do sol.
Lembrarei aos poderosos de todos os tipos de palácios de que o sol desde sempre divide com a chuva a magia eterna de aquecer e fecundar, que a sua energia e o seu acalanto tocando as folhas das pequeninas árvores são eternos porque são simples, porque são naturais, porque são belos.
Assim, eu amarei os pequeninos que sangram sob a chuva imemorial da exploração humana que, na verdade, nasceu com a expropriação do universo e de seus bens naturais, como uma bruxa criada pela imaginação dos homens que se apropriaram do néctar dos deuses e das frutas do jardim de Éden e entregaram aos filhos da sombra a miséria humana e suas indisfarçáveis sevícias.
E que nenhum demônio da condição humana venha me dizer em que igreja eu devo me ajoelhar e para qual anjo padroeiro eu preciso pagar as minhas silenciosas promessas e sob os pés de quantas mulheres santas eu posso entregar meus desejos perdidos e meus dízimos.
Que eles saibam que Judas foi mais amigo do que Pedro, porque não traiu Jesus três vezes e porque devolveu as suas infames trinta moedas de prata, só então eu vou descansar das andanças desse belo e terrível ano de 2011, onde minhas angústias enfrentaram sol e chuva, demônios e deuses.
Contemplarei os homens na sua essência, capazes de amar e de odiar, de abraçar e de matar o semelhante, de perceber um tiroteio na periferia e uma abelha distribuindo mel sem pagamento à vista e nenhuma promessa de que a sua floresta profunda não será dizimada.
Guardarei meu tempo, nem que seja apenas um pedaço de preciosos minutos dourados de lua, para pedir perdão àqueles que pagam o pão e o agasalho dos meus e lhes direi que não desisti de ser justo, mesmo sabendo que a justiça não paga os crimes dos homens infames.
No coração de 2012 eu vou aportar o meu barco primitivo e carregado dos tesouros que trago de 2011, grato pelas dores e pelas angústias que me fizeram mais próximo dos anjos, quando me afastaram dos demônios que me cercavam como se eu fosse um rato, e me ensinaram o caminho sagrado da ressurreição.
Guardarei cada minuto de 2011 porque eles compõem a infinita sinfonia da vida eterna, da cósmica matéria que constituiu meus pulmões, meu fígado e minha digital de homo sapiens, mesmo que alguns deles tenham me aproximado do inferno e tornado refém a minha alma de peregrino.
No coração de 2012 vai dormir meu desejo insatisfeito de 2011 e minhas vontades que se fizeram luz e velas nas catedrais e risos de escárnio e prazer em todos os prostíbulos, como se todas as agonias do homem pudessem receber acolhida.
No coração de 2012.
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