domingo, 28 de agosto de 2011

O papel, a águia e o povo


Sábado estive em Jordão, uma pequenina, valente, progressista e acolhedora cidade amazônica, que dorme nas cabeceiras do rio Tarauacá e acorda na foz do rio Jordão.
Antes da partida, pela manhã, um grupo de lideranças indígenas, da etnia kaxinawá, me entregou um abaixo-assinado com reivindicações variadas, que eu deveria entregar a uma autoridade na capital.
No pequeno avião, com duas horas de vôo para pensar, ter medo e sonhar, fiquei a refletir sobre aquele pedaço de papel. Aquele grupo de lideranças indígenas, se quisesse encontrar pessoalmente a autoridade da missiva, teria que fretar um pequeno avião, ao custo de quatro mil reais, com pouco tempo na capital para encontrar, reunir e reivindicar.
Restou-lhe um pedaço de papel, que fala silenciosamente, como uma criança querendo convencer um adulto. Aquele papel não grita, não xinga, não tem força de lei, não mobiliza multidões, não tem emoção.
E tudo que eu disser no ato da entrega não vai substituir o sentimento popular, a voz cruzada da etnia, o olhar esperançoso, o hálito, a dor nas vestes cansadas, o sorriso calmo do líder, a mulher olhando por cima de seus ombros, a fé animista na autoridade que vai receber o papel.
Fiquei ali, sobre aquele mar de árvores e nuvens densas, igarapés lá em baixo como lágrimas de órfão, ipês e fumaça das pequenas queimadas, rajadas de chuva. Fiquei ali pensando e me culpando, como padre que não honra o que prega na homilia.
Descobri, atrasado, que o único caminho é o de se aproximar do exemplo da águia, percorrer os céus, vencer montanhas e penhascos, descer às planícies e consultar o povo, submeter-se aos seus gritos, ora indecentes, ora silenciosos, sempre autênticos, sempre legítimos.
Outro exemplo mágico da águia é a sua capacidade de renovação, de mudar a velha roupagem e recomeçar, através do confronto consigo mesmo, no instante em que você sente a tempestade do cotidiano, a exigir mais simplicidade, mais proximidade, mais abraços.
Porque nada substituirá a presença na aldeia, no chão seco ou molhado da região aonde o povo vive e resiste, ama e sua, faz filhos e planta árvores, dança e bebe, reza e ora, animiza sua fé e seus medos. É lá que a dor e a alegria são sentidas.
Nunca as encontraremos numa folha de papel!


Um comentário:

Anônimo disse...

que essa folha se perpetue e toke o coração de quem vive !!