Se eu não puder mais te alcançar, teu corpo de sol, tua alma e tua utopia, saiba que a culpa são as minhas mãos crucificadas. E, se puder, perdoe os golpes, o frio, a sêde, a ofensa e a zombaria.
A cruz não é maior do que as minhas desculpas e o meu eterno medo de ficar contra o tempo, os templos e as tempestades. Eu sou um filho bastardo do tempo e da liberdade, porque não tive a coragem de libertar minha alma e a minha revolução.
Lázaro foi mais livre do que eu, porque o seu túmulo nunca o sepultou, apenas guardava a sua alma insatisfeita e protegia o seu corpo dos vermes, que vendem a alma humana em troca de vícios.
É que minhas mãos vivem pregadas na usura e na ganância, eu não sei repartir os meus bens e sequer consigo seguir o caminho do sol. Minhas vontades se juntam às vontades dos poderosos e os mendigos se ressentem da minha ausência.
Cada Jerusalém que se perde é um abismo que se abre na alma dos justos e a minha paixão cada dia fica menor e mais fria. E sequer eu compreendo como o meu coração se perdeu entre os labirintos do ouro, do egoísmo e da vida que não reparte, não compartilha, não ama.
Preciso voltar ao túmulo de Lázaro e ver se encontro pelo menos o manto da minha ressurreição, porque os cães vadios da planície devoraram minha carne indecente e repartiram os meus ossos, entre a ribanceira, a chuva e as enchentes.
Ainda há tempo de encontrar a luz, a clareira de sol que a humanidade guardou dos carrascos e dos psicopatas da honra, porque uma criança dorme nos penhascos, enquanto a lua não ilumina meus olhos de espera.
Sei que a minha crucificação não foi a vontade dos deuses, mas uma artimanha dos mais perversos demônios da condição humana e de seus eternos sacrifícios. Por isso eu acredito ainda na humanidade e nos seus incômodos desejos.
Vou construir templos e túmulos, porque um não vive sem o outro e a eternidade é um suplício na alma dos pecadores. E cada desejo insatisfeito torna-se uma ferida nas asas dos anjos e um conselho nos livros dos deuses.
De cada túmulo traremos um Lázaro e em cada sepulcro guardaremos uma veste e uma semente. Então cantaremos aos deuses da chuva e da fertilidade, aos anjos eternos da fraternidade e da abundância.
Não dormiremos mais ao relento e as pedras não nos enganarão como se fossem travesseiros, porque os pássaros do céu se adornam para acolher a lua, enquanto os homens se matam por uma mulher, um abrigo, um pedaço de pão.
Guardaremos os oceanos dentro de uma única mão, porque a humanidade será capaz de acolher, de repartir, de amar. E meus sepulcros nunca mais se fecharão, porque dentro deles dormirão todas as almas dos justos.
Assim virão o novo céu e a nova terra, como canção e como chuva forte, porque o homem nunca será derrotado pela morte que vem da alma doente de cada demônio que não aceita o perdão e a partilha.
Seremos como meninos de chuva e homens de sal e deixaremos sumir na tempestade as maldades humanas e todas as indecências. Seremos homens e mulheres lutando para sermos homens e mulheres livres.
Você partiu e não disse a ninguém em que lugar do universo iria guardar sua alma e em que jardim plantaria a sua última flor. Você é a chuva que desce com força e retorna aos céus sem ninguém perceber. Você é a multidão que faz a rua sentir-se avenida e as calçadas se iluminam com os gritos teus, ora de dor, ora de prazer.
Você visitou os cemitérios e de lá não trouxe morte, mas deixou uma galáxia de luz, como se teus olhos fossem fogueiras de diamante líquido. Você é a alma que não faz medo e acaricia todos os desvalidos, os pobres da terra, os mendigos e a dor em carne e osso da humanidade.
Você não partiu por inteira porque ficou uma lágrima perdida no ombro do último profeta e um abraço no pastor das ovelhas daquela planície que ninguém nivelou, porque foi Deus, com suas mãos maternais, que cuidou para que cada curva do caminho tivesse um horizonte e um guia para as nossas almas contrariadas.
Você cruzou os céus cinzentos e luminosos da Amazônia e viu o mar de árvores, como se fossem algas, e se apaixonou pela imensidão sob os teus olhos de viajante. E naquele instante você se apaixonou pela vida, abraçou o ar pressurizado, amou quem não te abraçou na partida e acreditou que o homem será sempre uma aposta nas mãos eternas de Deus.
Você não partiu! Há aqui, nos mãos dos últimos mendigos um pão que você deixou de oferenda, um vinho ácido e um sorriso para o homem que não acredita sequer que a vida é uma dádiva.
Você partiu pela metade, como se fosse um anjo que voa com uma asa só, uma borboleta, uma águia, que usam o vento para ir e voltar e não ficam prepotentes nas alturas e nem humilhados quando pousam nos charcos.
Você é a chuva, a tempestade, a oferta sincera do peregrino, a dor dos perseguidos, a alegria do parto, o êxtase do perdão, a aclamação da vida.
Você é como chuva de agosto!
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