sábado, 9 de abril de 2011

Poesia em Noites de Sábado


DESEJOS DE AÇO

Faz tempo que teus olhos miram-se nos meus e, juntos, admiram a terra dos sonhos de nossos pais. Salário digno e escola, segurança e casa, saúde e trabalho, dignidade sem esmola. Combatemos juntos, juntos nos tornamos ausentes, enfrentamos sarcasmos e violência, destruímos laços de sangue, em nome do povo, nos fingimos gigantes.

Nossa vida é toda doação, sacrifício, nosso combate é tão frio quanto à insensibilidade que domina as ruas. Aprendemos a não desistir, não se render aos encantos da acumulação, submetidos ao ritual da doação. Hoje, quero falar-te de algo proibido, o meu e o teu lado humano, as minhas dores e as tuas, de nossas cicatrizes que não se fizeram expostas. Por isso, desprendido, te escrevo esta carta que não chega a ser uma poesia!

Quando te conheci, inocente, jamais imaginava que a nossa paixão, aventureira e livre, se submeteria aos caprichos da razão. Que o sol e a lua, a chuva e a madrugada conduziriam a nossa paixão. Atônito, descobri, como alguém que flagra uma traição, que os temporais do cotidiano, frios e avassaladores, destroem a inocência e a utopia.

Sob a pele que transpira toda a emoção do universo, construímos outra pele, de aço, racional. Calculamos nossos sentimentos como se planeja uma greve, o pagamento de uma dívida. É a maldição do cotidiano transferindo-se, como uma assombração, para os nossos lençóis. Perdemos a capacidade de fazer a pele confessar seus enigmas que, elucidados pela razão, fazem debater e calcular até a emoção.

Quando me tornei socialista, por imposição da história, essa tragédia tornou-se maior. Além do ritual que destruiu nossa pele, aqueles que nos olham decidiram julgar até a nossa emoção. Calculam, soberbos, as nossas agonias em guerra, nossa dor submetida à luta política, nossos desejos perdidos nos labirintos da razão coletiva.

Nossos sonhos tornam-se sonhos de todos, agredimos nossa individualidade, escondemos nossa fragilidade, cauterizamos nossas feridas a dois, o aço domina nossos olhos, desapropria nossas lágrimas. Nos tornamos “homens”! Quando o povo está satisfeito, fingimos satisfação.

Assim, a pele do povo, agredida pela brutalidade do capital, recebe a nossa proteção. A protegemos com a nossa pele de aço, enganando-nos a nós mesmos, exilando a nossa afeição. Por isso, decidi confessar meus enigmas, sem preocupar-me com o plebiscito da razão.

Preciso te dizer que o meu desejo perdeu o controle, como um lobo, de te possuir inteira, adorar teu corpo, abraçar-te, inventar uma madrugada só nossa. Algo como um medo que faz bem domina minha alma, interrompe minha reflexão sobre os prejuízos da tua presença, afoga minhas dúvidas.

Quero estar do teu lado todo instante, contemplar teus olhos de água, afagar tua pele como um mendigo que devora o alimento e a doação. Meu coração, apesar de ser apenas um músculo por onde passa todo o meu sangue, seqüestra deste o seu furor, sua agonia nômade, seus impulsos. Pulsando, te aguarda como uma canção teimosa!

Preciso te confessar que todas as possibilidades de viver longe dos teus olhos eu as afoguei, rasguei suas vestes frias, queimei suas premissas, venci. Preciso de ti como o orvalho necessita do sol para erguer-se.

Teu cheiro grudou em mim como madrugada de fevereiro, março, abril, uma tarde de maio, uma manhã de agosto, quando nasceste e criaste a possibilidade de dormir nos meus braços. Tua ausência aflige-me como um escárnio, teu beijo fez-se obsessão, tua voz, como bálsamo, ocupou o meu tempo!

Preciso de ti, não há volta, não suportaria tua ausência, tornar-me-ia frio como a morte, minha paixão pela vida fugiria dos meus dedos, preciso de ti. Se me deixares, minha fé na liberdade ocupará o mundo dos mortos. Nada que me disseres deterá a avalanche que se anuncia no meu peito, nada que fizeres aprisionará meus sentimentos.

Quero dormir em teus braços, sentir tua respiração, tua ternura me fará homem, livre, santo. Em teu altar confessarei meus pecados e minhas ausências. Se Deus arrancar de mim teus momentos, um novo Deus descerá, te amarrará, despirá tua insensibilidade, me entregará nua!

Preciso, enfim, confessar os meus medos, juntos não passam de um, perder-te, ser expropriado de tuas veias, não ganhar o teu tempo e a tua afeição. Não posso falar-te mais, apenas que me deixes do teu lado, conforta-me com a tua presença, tua alma e tuas mãos. Te amo, com a força de uma tempestade!

Por fim, como uma carta, na ausência que maltrata, preciso dizer-te, minha paixão é como uma chuva de agosto; teu corpo, a terra da repartição; teu silêncio, um pedido; minha inocência, uma confissão!

 

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