Decolamos às 11:25 horas. Foram duas horas de vôo sobre a floresta, pancadas de chuva, nuvens carregadas e céu iluminado. Uma mistura de medo, aventura e fé.
Descemos em Jordão sob um sol forte e abraços dos amigos. Quando abrimos a porta do pequeno avião, toca o celular de uma passageira, que levava o filho de seis dias de nascido. O toque do celular era a música "Pássaro de Fogo", na voz de Paula Fernandes.
Não podia ser diferente. Jordão é sempre um lugar de acolhida, de festa, de luta, de paixão. E nada melhor do que "Pássaro de Fogo" para representar essa sinfonia do coletivo e do pessoal, da terra e da água, da floresta e de seus entes mágicos, da angústia e da ressurreição.
Do aeroporto para o Centro de Florestania. Uma demorada reunião, aonde as angústias do povo e suas esperanças ficaram na mesma mesa. Jordão precisa de investimentos que apontem no rumo da produção local e evite a importação onerosa de bens de consumo.
Criação de pequenos animais, avicultura, corte e costura, piscicultura, manejo florestal, apoio às aldeias indígenas. O rumo que Jordão quer trilhar. Em março o nosso gabinete realizará um seminário em Jordão para discutir e apoiar esse rumo.
Ao entardecer, a procissão. Numa sinfonia entre os últimos raios de sol e a mata que os acolhe, participamos da procissão de São Sebastião. Numa inovação da Igreja Católica, a missa foi sendo celebrada durante a procissão.
Pelas pequenas ruas de Jordão, cânticos religiosos, meninos que choravam, mulheres indígenas e seus colares, homens de mão calejada na floresta e nas margens dos rios, orações silenciosas e promessas que só Deus saberá o que lhes foi pedido em segredo de fé.
Às 23:40 horas o cantor Evaldo Freire sobe ao palco e recebe aplausos de uma multidão de jovens, extrativistas e ribeirinhos, mulheres lindas de Jordão, toda a cidade e toda a zona rural. O clube está cheio e a rua da frente lotada.
Quatro da manhã. Acho que ninguém pensou na ressaca e na dor de cabeça. A multidão se dispersa pelas ruas de Jordão. A madrugada é uma orquestra de desejos e frustrações. Quem amou Jordão assim, como menino descalço, como mulher perdida na noite, como amante.
Jordão será sempre uma terra de sonhos e seu rio, ora caudaloso, ora evaporando como o orvalho, será o encontro da dor e da alegria. Jordão é lugar sagrado e seu povo lutador resiste como uma ilha de esperanças e de belas utopias.
Jordão me deixa sempre melhor, mais perto das esperanças populares, de seus lamentos e de sua escatológica espera, de meus amigos, de sua fidelidade e de sua paixão.
A volta de Jordão é sempre uma liturgia, a vontade de ficar mais tempo lá, aprender mais, ganhar mais leveza, mais humanidade.
2 comentários:
Fico imaginando como não deveriam se sentir as senhoras na idade média diante da imagem de São Sebastião quando era a unica oportunidade de apreciar o nu masculino em uma época de tanta repressão sexual. Deviam ter um verdadeiro arrebatamento.
Como um ser alado busco no meu sonho aproximar-me da alma desse escritor tão acreano que faz das suas palavras a ferramenta maior em prol de uma sociedade mas digna.
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