sábado, 26 de dezembro de 2009

O SUICÍDIO DE JUDAS


Judas acabara de receber e devolver as trinta moedas de prata que ganhara do Sinédrio, como prêmio por sua traição. Os saduceus, que controlavam o Templo e as nomeações dos Sumo sacerdotes, estavam incrédulos. Que fenômeno atingira a alma de Judas para que ele procedesse de maneira tão absurda: devolver as moedas de prata como prêmio à sua traição?

Jesus, naquele instante, já tinha expirado o último hálito, junto a dois ladrões. Os homens e as mulheres, cabisbaixos, retornavam às suas indignas moradias. Ao amanhecer, sonolentos, ocupariam os bancos da sinagoga, em busca de mais um Messias. Eles estavam cansados, famintos e oprimidos pela ocupação romana e sem nenhum Deus que os acalentasse. Aquele que se dizia Filho do Altíssimo fora crucificado como um homem comum da plebe, junto a dois assaltantes.

Judas utiliza um velho manto para cobrir o rosto. Ziguezagueia por entre os casebres de pedra rústica. Alguns passos trôpegos o afastam do portão de Jerusalém. O mesmo sicômoro que Mateus utilizara para avistar Jesus atrai a atenção de Judas. A história estava se repetindo como tragédia: a mesma árvore que serviu à conversão do rico Mateus será utilizada no enforcamento suicida de Judas. O sicômoro que converte e mata!

Quando a corda de cânhamo recebe o primeiro nó em torno do pescoço de Judas, surge um mendigo, daqueles que abarrotavam as proximidades de Jerusalém. Como se aquela cena dantesca não o importunasse, dirige sua voz à Judas:

- Judas, dá-me um pedaço de pão!

- Como?! Não vês que eu estou a enforcar-me? E ainda me pedes um pão como esmola?

- Judas, a tua vontade de enforcar-se é menor que a tua esmola!

- Quem és tu para arbitrar os meus desejos?

- Tu não queres te enforcar!

- Que mais tens a dizer, velho mendigo?

- Que indigno é o homem que se enforca com uma corda que não é sua!

- Quem te disse que não é minha essa corda de cânhamo?

- Tu a compraste com a trigésima moeda de prata que não devolveste!

- Ora, já fiz muito em devolver o fruto da minha traição!

- Tu sabias, Judas, que o Sinédrio não se ocuparia em contar as trinta moedas de prata!

- Que queres, velho mendigo, com esse diálogo que não tem fim?

- Dizer-te que cometeste um erro em devolver as moedas da tua traição!

- Que devia eu fazer com as moedas da traição ao Filho de Deus?

- Entregá-las aos que lutam contra os romanos e a sua ocupação!

- Por que não devolvê-las aos antigos donos?

- Porque o Sinédrio vai utilizá-las para comprar outro Judas!

- Outro Judas não existirá, eu estou me enforcando e destruindo a minha descendência!

- Enquanto existir homens que lutam contra a dominação, Judas existirão!

- De que Judas falas, velho mendigo?

- Se não se enforcares, descobrirás. Anda, dá-me um pedaço de pão!

(*) O de suicídio de Judas não tem motivação religiosa, é fruto do desespero que invadiu sua alma após o assassinato de Jesus. O suicídio, como se depreende das páginas da Bíblia, não foi uma constante na saga do povo de Deus. Os exemplos de suicídio são raros e, historicamente, carregam motivações resultantes de tática militar equivocada ou originam-se na culpa pessoal do ator bíblico. Não há um só caso de suicídio na Bíblia, que expresse a vontade de Deus. Dentre os poucos exemplos de suicídio, na Bíblia, registramos:

* Saul, em guerra com os filisteus, precipita-se sobre a sua própria espada, suicidando-se, quando, já ferido pelo inimigo, percebe que a derrota é iminente (1Sm.31,3-4).

* Aquitofeu, ao ver sua tática de perseguição militar a Davi ser derrotada, dirige-se para casa e enforca-se (2Sm.17,23).

* Zambri, rei de Israel, percebendo que a sua cidade estava cercada pelo inimigo e, irremediavelmente, perdida, entrou no palácio e ateou fogo, morrendo queimado (1Rs.16,18).

* Abimelec, rei de Israel, ao ter o crânio fraturado por uma pedra, registra o mais covarde e cômico, exemplo de suicídio no Antigo Testamento: Nisso uma mulher jogou uma pedra de moinho sobre a cabeça de Abimelec e fraturou-lhe o crânio. Abimelec gritou logo para o escudeiro, pedindo-lhe: “Tira da espada e mata-me, para que não digam a meu respeito: ‘Uma mulher o matou’ “. O escudeiro traspassou-o e ele morreu.

Resta, ainda, a tentativa de suicídio de Sara que, ao ter seus sete noivos mortos pelo demônio Asmodeu, pensa em enforcar-se: Naquele dia, Sara ficou com a alma amargurada e chorou. Subiu ao aposento de seu pai, no andar superior, com a intenção de enforcar-se. Mas, como relata a Bíblia, raciocinando melhor, pensou: "Não quero que venham injuriar a meu pai. Em vez de me enforcar, é melhor pedir ao Senhor que me faça morrer, para não mais ouvir injúrias em minha vida", (Tb.3,10)

Judas, apesar da traição, realizou um ato de dignidade antes de enforcar-se: E atirando as moedas de prata no Templo, ele se retirou, e foi enforcar-se, (Mt.27,5).

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