O
ano que vem será maior do que esse que morre, esse terrível ano que me levou o
emprego, a mulher que eu amava, a casa financiada, os amigos que não me viam
sem carro e cheque especial, a esperança escatológica, que de lógica não tinha
nada, de perdoar minhas dores no colo divino de todos os anjos.
O
ano que vem não pode ser menor do que esse que se despede, esse bendito ano que
me manteve vivo, sem aids, hanseníase, verminose, psoríase, morte de avião, no
fogo, no trânsito, na água, encurralado pelos traficantes, balas perdidas, a
morte precoce que embruteceu o mundo e derramou lágrimas de um milhão de mães e
irmãs.
Um
ano bom que eu não soube guardar as manhãs que ele me ofereceu, as madrugadas
para amar em silêncio, as tardes mornas para erguer amigos e cada entardecer
para convencer os meus inimigos de que o ódio não é maior do que algumas gotas
de chuva ácida, demônios perdidos, fezes.
Vou
entrar na porta iluminada de 2016 como um mendigo que implora o alimento e a
afeição, cheio de salmos nos lábios, como se um profeta me dissesse aonde se
encontra a morada sagrada dos deuses que constituíram meus rins e o meu cérebro
de antropoide que não ama mais do que uma formiga ou um lobo.
Olharei
para os meus calcanhares para tirar a prova do meu egoísmo e da minha profunda
letargia em amar aqueles que precisam de amor, atrofiado na minha oração
mendicante que implorou aos céus para que o meu corpo tomado de vermes fosse
limpo, sob as bênçãos do meu padroeiro, nas águas santas do meu último rio.
Lembrarei
da mensagem dos purgatórios de que um pecado nem tão grave e nem tão leve cabe
na palma da mão paternal de Deus e o único incômodo que traz é o tempo que os
anjos levam entre o inferno e os céus para conhecer a angústia nos olhos de
Lúcifer quando perde uma alma do mundo dos filhos do sol.
Lembrarei
aos poderosos de todos os tipos de palácios de que o sol desde sempre divide
com a chuva a magia eterna de aquecer e fecundar, que a sua energia e o seu
acalanto tocando as folhas das pequeninas árvores são eternos porque são
simples, porque são naturais, porque são belos.
Assim,
eu amarei os pequeninos que sangram sob a chuva imemorial da exploração humana
que, na verdade, nasceu com a expropriação do universo e de seus bens naturais,
como uma bruxa criada pela imaginação dos homens que se apropriaram do néctar
dos deuses e das frutas do jardim de Éden e entregaram aos filhos da sombra a
miséria humana e suas indisfarçáveis sevícias.
E
que nenhum demônio da condição humana venha me dizer em que igreja eu devo me
ajoelhar e para qual anjo padroeiro eu preciso pagar as minhas silenciosas
promessas e sob os pés de quantas mulheres santas eu posso entregar meus
desejos perdidos e meus dízimos.
Contemplarei
os homens na sua essência, capazes de amar e de odiar, de abraçar e de matar o
semelhante, de perceber um tiroteio na periferia e uma abelha distribuindo mel
sem pagamento à vista e nenhuma promessa de que a sua floresta profunda não
será dizimada.
Guardarei
meu tempo, nem que seja apenas um pedaço de preciosos minutos dourados de lua,
para pedir perdão àqueles que pagam o pão e o agasalho dos meus e lhes direi
que não desisti de ser justo, mesmo sabendo que a justiça não paga os crimes
dos homens infames.
No
coração de 2016 eu vou aportar o meu barco primitivo e carregado dos tesouros
que trago de 2015, grato pelas dores e pelas angústias que me fizeram mais
próximo dos anjos, quando me afastaram dos demônios que me cercavam como se eu
fosse um rato, e me ensinaram o caminho sagrado da ressurreição.
Guardarei
cada minuto de 2015 porque eles compõem a infinita sinfonia da vida eterna, da
cósmica matéria que constituiu meus pulmões, meu fígado e minha digital de homo
sapiens, mesmo que alguns deles tenham me aproximado do inferno e tornado refém
a minha alma de peregrino.
No
coração de 2016 vai dormir meu desejo insatisfeito de 2015 e minhas vontades
que se fizeram luz e velas nas catedrais e risos de escárnio e prazer em todos
os prostíbulos, como se todas as agonias do homem pudessem receber acolhida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário