domingo, 8 de janeiro de 2012

Poesia em Noites de Domingo


MADALENA

                    Somente o álcool, raivoso, valente, impaciente, teimoso, inconsciente, metido a rico, bom de mulher, intrometido, gabola. Somente o álcool, com essas qualidades e esses defeitos, me faz confessar os meus segredos que sobre ti guardei!
                    Depois de algumas garrafas de álcool, Madalena, meu desejo por ti aumenta por mil. Esqueço a igreja, os mandamentos, a regra tribal, o comportamento. Quero ficar do teu lado, possuir-te de todos os jeitos e, quando retorno à aldeia, a maldição da ressaca, os compromissos, a vida normal. Aquelas madames, fingindo castidade, amor ao marido, fidelidade, fazem da tua vida um inferno!
                    Eu sei, Madalena, que aquelas madames, com o seu corpo precisando de caridade, plástica, cosméticos, também querem os mesmos desejos, os meus e os teus. Todavia, como se fossem esposas de Deus, infernizam aqueles que rompem a barreira da regra tribal. Sei que elas desejam outros corpos, isso eu sei, que se cansaram da normalidade de uma cama de meio século, monotonia, um cotidiano decorado, batido, cansado!
                    Mas as madames não podem romper o ciclo tribal, seria um escândalo, até notícia de jornal. Por isso descarregam todos os traumas. E quando infernizam a vida de alguém que violou as regras da aldeia, no subconsciente, estão alimentando a perversão, divulgando, sonhando, invejando a ousadia, a coragem!
                    O grave, Madalena, é que tu vais terminar os teus dias na mesma cama, na mesma cruz, na mesma monotonia. Delas, tu não tens diferença! Por isso, meu desejo por ti acaba quando morre o álcool nas minhas veias! Vais deixar de ser Madalena e, quando tua carne começar a cair, vais procurar um velho soldado, coronel, dono de terras, oficial, fiscal de rendas, vendedor de bugigangas, ex-padre, marechal, um burguês com boa conta bancária e sem graça, da alta classe, que te dê casa, comida, vestidos largos para cobrir teu corpo cansado de guerra, meninos chorando, querendo praça, cinema!
                    Todavia, Madalena, de algo não consegues te livrar! Quando decides sair com o bom burguês, numa festa sem graça, dança do tempo dos reis, aqui e acolá a regra sonora se quebra e sai uma melodia que lembra teu tempo de Madalena. Abraças teu bom burguês, chora e ele fica todo assanhado! Ele não sabe, Madalena, que estás a lembrar do tempo que foste mulher!
                    Escrevo esta carta, Madalena, para te dizer que o meu maior medo, esse é um dos meus segredos, é de ficar, mais tarde, como o bom burguês. Não quero, eu juro, nenhuma Madalena chorando no salão!
                    Madalena, o que mais me dói é a hipocrisia daquelas que deixaram, coitadas, de sentir prazer, de ser mulher! Tu também, Madalena, não mereces a minha compaixão. O que posso fazer por ti é continuar te enganando, gérmen de um bom burguês, com a minha ébria paixão!


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