Entrei na mata em busca de Deus
E encontrei uma anta, uma cobra e uma cotia
E elas disseram que Deus estava dormindo
Ao canto do uirapuru que quase ninguém via
Disse a elas que a cidade de onde vim
Matara Deus com álcool, dinheiro e cocaína
Que precisava encontrá-Lo com urgência
Perguntar sobre a origem da demência
E porque a morte é a nossa vitamina
A cobra mais atrevida e no cio
Disse-me, manhosa e mulher
Como testemunhas a anta e a cotia
‘Saber a verdade você não quer’
Insisti que quem estava ali, não era um lobo
Um javali, um macaco-prego, um quati
Que as marcas no meu rosto, como sulcos na terra
Vieram, violentas, de estilhaços da minha última guerra
E que, se não encontrasse Deus, da mata não ia sair
A cobra disse que Deus dormia nos momentos difíceis
Quando o homem adoecia, sangrava nos morros, caía
Disse, ainda, que o homem, na sua torpe inocência
Pede clemência a Deus como se fosse uma cotia
A cotia, de medrosa ficou zangada e valente
Com o seu hálito quente fez a sua profecia
‘A cobra não entende nada de Deus e de nenhuma essência’
Disse que o silêncio de Deus é o seu álibi e a sua inocência
E que cabe ao homem debaixo do sol cuidar de sua travessia
Enquanto a cotia falava, a anta se mexia, desajeitada
E o seu focinho rude apontou na direção do céu
Disse que os homens inocentes, os velhacos, os dementes
Protegiam todos os seus medos debaixo do mesmo véu
Disse ainda que a terra santa de todas as profecias
Nasceram juntas no palco sacro da mesma guerra
E que a imortalidade era o sonho eterno do homem
Apodrecendo nos cemitérios, novas cruzes e nomes
Quer ser igual a Deus na pátria de uma nova terra
Saí da mata sangrando e com as mãos crucificadas
Porque ousei dialogar sobre aquilo que é eterno
Meu direito de saber não podia ultrapassar
Sequer a porta tenebrosa de Lúcifer e seu Inferno
Nunca poderei abraçar a Árvore da Vida e do Conhecimento
Porque eu não aguento a verdade que vai sair de seus frutos
E nenhuma dessas mentes mortas e desses espíritos brutos
Vão erguer preces doentes e torpes nos cemitérios
Porque o mistério da vida é como um sangue bento
Ninguém o apalpa ou controla em suas orações
Como se fosse a água de mil pias sagradas
E a minha busca nas matas dos bichos inferiores
Eram as minhas dores e algumas canções
Minha alma sangrava perseguida por um anjo de fogo
Enquanto eu descobria que Deus nunca dormia
Porque o seu sono sagrado é o sonho dos homens mortais
E a sua face eterna é a alma terna das criaturas em agonia
Porque a minha busca é o meu medo e são os meus sinais
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