sábado, 13 de agosto de 2011

DIA DOS PAIS

Meu pai foi seringueiro, mateiro, pescador, agricultor e caçador dos bons. Viveu nos tempos áureos da borracha e honrou seus filhos com uma vida digna e corajosa. Mas, um vício o fragilizou, o consumo de bebida alcoólica. Nos deixou aos 74 anos.

Não nos deixou riquezas, nos deixou honra e vontade de seguir limpos. Esta poesia eu dedico a ele e a todos os pais da Amazônia.


Peregrinava por varadouros de lama
         Enfrentando cobra grande e poraquês
         Nos tabocais eu matava a sede
         Espantando mosquitos com o meu tabaco
         Fraco, as vezes, eu fui,
         Quando o patrão me mandava calar
         Eu reclamava do preço da estiva
         E do látex que, na verdade,
         Saía de minhas próprias mãos!
         Minha voz ressoava nas sapopemas
         E o mapinguari era o meu algoz
         Quantos filhos enterrei sob os cajueiros!
         Sobre o dorso, o magro sustento
         E o lamento da minha Zefinha
         Nas horas de rede, os gemidos presos
         A paxiúba não podia ouvir!

         No sertão, deixei meus gemidos altos
         Minhas saudades e meus ressentimentos
         Buscara água que trouxesse o pão
         Varadouros que apontassem um abrigo
         E calos que não fossem vãos!
         E foi assim, cumpade Bastião
         Que desde bem novim, feito bruguelo de cotia
         Me embrenhei nas matas do norte, desnorteado
         P'ra não morrer esturricado no sertão
         Tu vévi, hoje, na seca de água
         E eu, cumpade, vivo na seca de pão!

         Entanicei todas as minhas saudades
         Que não queria mais me alembrar
         E aquelas lágrimas do tempo do ronca
         Misturam-se ao meu chibé
         P'ro mode esquecer nossas estripulias
         E todas essas lembranças, Bastião
         Não soltam o meu mocotó
         É como a caipora, assombrosa
         Na ispera, atrais do tabaco!
         Dói na alma, escrever estas linhas
         Fico mais triste que o porco-do-mato
         É como se estivesse amorrinhado de febre
         A ruçara na pele, as mutucas, o pium
         Vai doendo, cumpade, maltrata
         Como se fosse traição de mulher!
        
         O alto só me trouxe panema, cumpade
         Vivo como se fosse um tuiuiú
         Cabeça pelada de tanta preocupação
         E comendo a lama dos pés do coronel
         E nem o belo canto do tuiuiú, meu cumpade
         Sai de minha voz rouca e dentes quebrados
         O que me restou, cumpade Bastião?
         O meu canto morno sobre o mutá
         E os peitos caídos da minha Zefinha
         Vou de bubuia nessas águas ingratas
         Enfrentando tranqueiras e maldições
         Destiorei toda a minha esperança!
         E quando cantar a coã, Bastião
         Vou salgar as minhas feridas
         E perguntar ao meu padroeiro
         Que paradeiro levou minha fé
         Isso eu te garanto, cumpade!
         Não cacei em dias grandes
         Não desrespeitei o resguardo da mulher
         E mesmo com fome, eu juro!
         Às seis da tarde de quinta-feira
         Não fui matar nenhuma nambu
         Na quaresma, não comia carne
         De vêiz in quando, a minha mulher
         Nem tomar banho na semana santa
         E os meus filhos são afilhados do coronel
         Paguei, contrito, todas as minhas promessas!

         Por que, então, esse inferno sobre o meu casebre?
         Nem a sapopema ouve os meus gritos!
         Sobre a gameleira eu faço a ispera
         P'ra ver se o dia amanhece melhor
         Nada além de uma paca morta
         E os meus dentes pubos de mascar tabaco
         Meu corpo de peba e uma poronga
         Essa, cumpade, é a minha canseira!
         Enrolado nas canaranas e nas tiriricas
         Atraído por cobras e cipós encantados
         Piracema de angústias e ingratidões
         Como se a vida fosse uma cintina
         Empanzinado pelas falsas promessas
         Que vêm nos banzeiros do barracão!
         Tenho inveja das guaribas e dos guaxinins
         Seus sonhos não quebram os galhos da imburana!
         E nem o gato maracajá
         Parente bastardo da onça
         Ou a deformidade das tanajuras
         Espantam as minhas maldições!
         Eu é que sou o filho bastardo, precoce
         De uma terra que nunca foi minha
         Lamento enterrar-me com os jatobás
         Abraçar-me ao canto da jaquirana
         Agarrar-me à fé como um carrapato
         E enfezar-me com as tocanderas!    
         Não queira essa sina, cumpade Bastião
         Sobreviver como um rola-bosta
         Sonhos quebrados como as embaúbas!
         De que adianta resistir como a sapucaia?
         Vivendo de mortes como os maparás
         Encoivarando alegrias e os meus jejuns!
        
         Meu cheiro forte de mucura, cumpade
         Eu guardo, revolto, dentro do meu jamaxi
         Meus filhos banguelas como se fossem mandins
         Assustam-se com o futuro e o batedor
         Um grave piché de vida indigna
         Se empanzina na minha colocação
         Os olhos de Zefinha, cumpade Bastião
         Parecem gapós mortos pelo tingui
         Minhas mãos tremem sob uma vela
         E os parentes rezam a sua oração
         As abacabas e os mulungus, Bastião
         Os bacuraus e as jaçanãs, o mutum
         A espingarda chorando na manga de estrada
         A jurubeba e os patoás, o tucum
         Gemem e matam, me amarram
         Na terra que sonhei lá no sertão!
         Uma cova rasa e uma reza misturada
         Um caçoá entristecido, um boto
         Uma imbiara sem rumo e sem pólvora
         De nada valeu meu corpo de jacundá
         E o meu medo de cangati
         Estou morrendo sem quebrar o jejum
         E ninguém vai se alembrar nem da minha carniça
         Inté mais vê, cumpade Bastião!

         E foi assim que se deu, camarada Alberto
         A vida e a morte do meu velho pai
         Talvez, agora, tu compreendas
         Porque meu combate não pode ter volta!
         Como esquecer as feridas das muriçocas?
         O coronel, os quincajús e a humilhação
         A jacuba no remo, o impaludismo
         E os tapiris tiritando de dor!
         Por isso, agarrei-me, camarada, no apuí
         E os tucuns amarram as minhas vontades
         De tornar-me sem alma e sem escrúpulos
         Os poraquês me legaram a sua voltagem
         Para eletrocutar os donos da fome!
         Sou o filho rebelde das colocações
         E o meu sangue não engorda os capatazes
         Eles foram capazes de destruir o meu velho
         Morreu, acabrunhado, entre as varejeiras
         A alma tomada pelo banzo nordestino!
         Esta é minha sina intransigente
         Reaver a colheita do meu velho pai
         Conto contigo, camarada Alberto!


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