Meu pai foi seringueiro, mateiro, pescador, agricultor e caçador dos bons. Viveu nos tempos áureos da borracha e honrou seus filhos com uma vida digna e corajosa. Mas, um vício o fragilizou, o consumo de bebida alcoólica. Nos deixou aos 74 anos.
Não nos deixou riquezas, nos deixou honra e vontade de seguir limpos. Esta poesia eu dedico a ele e a todos os pais da Amazônia.
Peregrinava por varadouros de lama
Enfrentando cobra grande e poraquês
Nos tabocais eu matava a sede
Espantando mosquitos com o meu tabaco
Fraco, as vezes, eu fui,
Quando o patrão me mandava calar
Eu reclamava do preço da estiva
E do látex que, na verdade,
Saía de minhas próprias mãos!
Minha voz ressoava nas sapopemas
E o mapinguari era o meu algoz
Quantos filhos enterrei sob os cajueiros!
Sobre o dorso, o magro sustento
E o lamento da minha Zefinha
Nas horas de rede, os gemidos presos
A paxiúba não podia ouvir!
No sertão, deixei meus gemidos altos
Minhas saudades e meus ressentimentos
Buscara água que trouxesse o pão
Varadouros que apontassem um abrigo
E calos que não fossem vãos!
E foi assim, cumpade Bastião
Que desde bem novim, feito bruguelo de cotia
Me embrenhei nas matas do norte, desnorteado
P'ra não morrer esturricado no sertão
Tu vévi, hoje, na seca de água
E eu, cumpade, vivo na seca de pão!
Entanicei todas as minhas saudades
Que não queria mais me alembrar
E aquelas lágrimas do tempo do ronca
Misturam-se ao meu chibé
P'ro mode esquecer nossas estripulias
E todas essas lembranças, Bastião
Não soltam o meu mocotó
É como a caipora, assombrosa
Na ispera, atrais do tabaco!
Dói na alma, escrever estas linhas
Fico mais triste que o porco-do-mato
É como se estivesse amorrinhado de febre
A ruçara na pele, as mutucas, o pium
Vai doendo, cumpade, maltrata
Como se fosse traição de mulher!
O alto só me trouxe panema, cumpade
Vivo como se fosse um tuiuiú
Cabeça pelada de tanta preocupação
E comendo a lama dos pés do coronel
E nem o belo canto do tuiuiú, meu cumpade
Sai de minha voz rouca e dentes quebrados
O que me restou, cumpade Bastião?
O meu canto morno sobre o mutá
E os peitos caídos da minha Zefinha
Vou de bubuia nessas águas ingratas
Enfrentando tranqueiras e maldições
Destiorei toda a minha esperança!
E quando cantar a coã, Bastião
Vou salgar as minhas feridas
E perguntar ao meu padroeiro
Que paradeiro levou minha fé
Isso eu te garanto, cumpade!
Não cacei em dias grandes
Não desrespeitei o resguardo da mulher
E mesmo com fome, eu juro!
Às seis da tarde de quinta-feira
Não fui matar nenhuma nambu
Na quaresma, não comia carne
De vêiz in quando, a minha mulher
Nem tomar banho na semana santa
E os meus filhos são afilhados do coronel
Paguei, contrito, todas as minhas promessas!
Por que, então, esse inferno sobre o meu casebre?
Nem a sapopema ouve os meus gritos!
Sobre a gameleira eu faço a ispera
P'ra ver se o dia amanhece melhor
Nada além de uma paca morta
E os meus dentes pubos de mascar tabaco
Meu corpo de peba e uma poronga
Essa, cumpade, é a minha canseira!
Enrolado nas canaranas e nas tiriricas
Atraído por cobras e cipós encantados
Piracema de angústias e ingratidões
Como se a vida fosse uma cintina
Empanzinado pelas falsas promessas
Que vêm nos banzeiros do barracão!
Tenho inveja das guaribas e dos guaxinins
Seus sonhos não quebram os galhos da imburana!
E nem o gato maracajá
Parente bastardo da onça
Ou a deformidade das tanajuras
Espantam as minhas maldições!
Eu é que sou o filho bastardo, precoce
De uma terra que nunca foi minha
Lamento enterrar-me com os jatobás
Abraçar-me ao canto da jaquirana
Agarrar-me à fé como um carrapato
E enfezar-me com as tocanderas!
Não queira essa sina, cumpade Bastião
Sobreviver como um rola-bosta
Sonhos quebrados como as embaúbas!
De que adianta resistir como a sapucaia?
Vivendo de mortes como os maparás
Encoivarando alegrias e os meus jejuns!
Meu cheiro forte de mucura, cumpade
Eu guardo, revolto, dentro do meu jamaxi
Meus filhos banguelas como se fossem mandins
Assustam-se com o futuro e o batedor
Um grave piché de vida indigna
Se empanzina na minha colocação
Os olhos de Zefinha, cumpade Bastião
Parecem gapós mortos pelo tingui
Minhas mãos tremem sob uma vela
E os parentes rezam a sua oração
As abacabas e os mulungus, Bastião
Os bacuraus e as jaçanãs, o mutum
A espingarda chorando na manga de estrada
A jurubeba e os patoás, o tucum
Gemem e matam, me amarram
Na terra que sonhei lá no sertão!
Uma cova rasa e uma reza misturada
Um caçoá entristecido, um boto
Uma imbiara sem rumo e sem pólvora
De nada valeu meu corpo de jacundá
E o meu medo de cangati
Estou morrendo sem quebrar o jejum
E ninguém vai se alembrar nem da minha carniça
Inté mais vê, cumpade Bastião!
E foi assim que se deu, camarada Alberto
A vida e a morte do meu velho pai
Talvez, agora, tu compreendas
Porque meu combate não pode ter volta!
Como esquecer as feridas das muriçocas?
O coronel, os quincajús e a humilhação
A jacuba no remo, o impaludismo
E os tapiris tiritando de dor!
Por isso, agarrei-me, camarada, no apuí
E os tucuns amarram as minhas vontades
De tornar-me sem alma e sem escrúpulos
Os poraquês me legaram a sua voltagem
Para eletrocutar os donos da fome!
Sou o filho rebelde das colocações
E o meu sangue não engorda os capatazes
Eles foram capazes de destruir o meu velho
Morreu, acabrunhado, entre as varejeiras
A alma tomada pelo banzo nordestino!
Esta é minha sina intransigente
Reaver a colheita do meu velho pai
Conto contigo, camarada Alberto!
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