sábado, 25 de junho de 2011

EU PRECISO DECIFRAR VOCÊ!


Eu preciso decifrar você!

Hoje as nuvens estão densas e teu rosto divino ainda não apareceu para arrancar a dor que está no corpo de um milhão de meninos pobres. Tuas mãos poderosas, que fizeram o milagre da criação, não tocaram as minhas feridas da madrugada e nem as minhas angústias do entardecer.

Você disse que era o meu Deus e não provou da minha dor e das minhas agonias. Tua voz que acalenta os quasares não foi capaz de calar o carrasco dos camponeses do norte e dos africanos em guerra com a morte lenta das moléstias que assolam os pobres.

Os teus pés de jade e de átomos eternos não foram capazes de calçar as minhas sandálias que herdei dos últimos franciscanos da terra da morte, aonde um pedaço de pão valia um palácio e um altar.

Você se tornou o meu Deus por causa da minha dor e da minha espera. Eu ardi em febre de fogo no mais profundo calabouço da condição humana, porque a minha paixão era mais perversa do que o amor de Lúcifer e os meus anjos nunca souberam voar com uma asa só.

Minha espera sempre foi coletiva, mas a minha solidariedade se perdeu entre os umbigos do meu clã, como se amar fosse preciso de testemunhas e palmas, de abraços eternos e escárnios.

Eu preciso decifrar teu amor pelos homens que se perderam em paixões clandestinas, como se o teu julgamento fosse um rito humano e as tuas sentenças divinas necessitassem de um coração para pulsar o que pensa o júri.

Você não ousou sequer abraçar a chuva que desceu violenta, destruindo casebres e pontes entre o bem e o mal, como se fosse possível encontrar Deus em cada pingo de chuva e em cada raio de sol.

Por acreditar nisso, eu enterrei os meus mortos e parti na direção do sol e do horizonte. E foi aí que eu encontrei os ossos do meu tempo de escravidão e de servilismo, porque eu não percebi os açoites na minha alma e nem a ferida aberta no meu tempo de procissão.

Eu pedi a você que largasse por um instante as estrelas e deixasse as galáxias andarem sozinhas, porque eu precisava de você como pai, que me amparasse naquele instante terrível em que as minhas bengalas foram roubadas pelo suor dos homens e pela dor do parto de todas as mulheres.

Você disse que me ouviria no confessionário, mas me mandou um retardado da alma e do encanto e a única coisa de bom que eu ouvi foi quando ele me disse que Deus está triste com as minhas declarações sobre a eternidade humana e a minha paixão.

Confessei que queria muito acreditar nos anjos de luz que eu nunca vi e que podem me livrar dos demônios do medo de não ser humano, de não ser bom, de não ser justo e de não ser eterno.

E você não disse uma palavra, não percebeu que eu precisava, naquele instante mágico, abraçar a indocilidade da dor humana e de seus castigos, porque a minha eternidade não poderia vir da minha finita razão, mas da súplica apostólica de um monge que ousasse amar mais os seus semelhantes do que a sua eterna oração.

E cada vez mais eu fico distante da verdade dos últimos céus, como se a fila da morte fosse a mesma da eternidade e nenhum de nós, aqui nesse purgatório das almas, pudesse optar em ser eterno sem morrer, sem apodrecer nos cemitérios, sem enterrar uma cruz dolorosa sobre os ossos de cada irmão.

Foi assim que você apareceu, depois de tantas súplicas, primeiro na gota do orvalho, depois no raio de sol que enxugou as minhas lágrimas de carrasco e de vítima, porque a dor pode ser igual no corpo de quem sofre tanto quanto na alma de quem suplicia.

Agora eu quero amar teus ensinamentos e dormir na tua morada de pedra, porque sei que o teu sepulcro é muito mais acolhedor e limpo dos que o maior dos palácios, porque nenhuma pedra foi retirada de nenhuma catacumba ou arrancada de outro corpo, como se fosse possível erguer sorrisos sobre gritos de angústia e de dor.

Você provou que existe na minha dor, porque eu não encontrei a cura e nem construí uma casa sem braços alheios, porque meu tempo foi veloz no rumo da morte e só então pude perceber o quanto você estava perto, como um punhal de fogo a abrir caminhos na zona morta da minha escatologia.

É só o que me resta confessar: você não larga o homem na sua miséria e na sua dor, porque um Deus perfeito não pode abraçar todas as almas e curar todas as feridas, enquanto a humanidade não descobrir que cada coração é a tua morada e que cada cérebro humano é a tua encruzilhada.



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