domingo, 17 de janeiro de 2010

El Breve Espacio En Que No Estas


 

Foi ouvindo esta MÚSICA de Pablo Milanes que escrevi as primeiras palavras sobre a nossa viagem, através do rio Tarauacá, ao belo município de Jordão.

Saímos de Tarauacá na terça-feira, 12, às 15 horas. Dirigentes sindicais, vereadores, amigos de antigas viagens e camaradas para fazer o barco deslizar.

Meleiro, Inês, Valder, Vanuza, Ribamar, Lei, Juliana, Sidomar, Eudes, Gracineide, Sandro, Célio, Everton e Cosmo. Na outra canoa: Celene, Dra Leuda, Dr Luiz, Lúcia, André, Rose e Keila.

Obrigado a todos pela dedicação, o cuidado com o povo simples, com as crianças, a canoa limpa, a frugal alimentação, a alegria e o companheirismo.

O sentimento inicial é o da expectativa, tudo se torna possível na utopia das águas, nenhuma cadeia prende aquele canoeiro que vai se conformando dentro do nosso coração. Cada volta do rio é como uma canção teimosa sobre as nossas eternas esperas mendicantes.

Um remédio para o estômago, a volta da mulher que partiu, uma folga dos piuns e que venha logo o ensino médio para aquelas meninas da comunidade, que se forem viver na cidade, vai embora a alegria e a segurança familiar.

Naquela longa extensão de água, floresta, campos de gado, roçados, canoas, piuns, meninas bonitas, carapanãs, jovens trabalhadores, esperanças e agonias, os líderes são poucos e com longo tempo na luta. Há cansaço e já se percebe sinais de impaciência.

Rocir, Raimundo Moreira, Chuiquinho Acapú, Nonato Artur, Chico Calixto, Nonato Marinho e e a dona Tereza, Raimundo Cavalcante, Edmílson Nogueira, Sebastião Silveira, Chico da Santa, Adelson do Chico Crente e Raimundo Pipira.

Alguns desses companheiros estão há mais de 20 anos nas frentes de luta do sindicato dos trabalhadores rurais de Tarauacá ou do PCdoB. Há uma ausência forte de mulheres no comando da luta coletiva e a juventude não foi convidada a se envolver. Fica no futebol e nas escassas festas nas comunidades, entre o roçado e as pescarias.

A única exceção é o jovem líder sindical Adelson, no Sumaré, filho do lendário Chico Crente que, antes de partir, educou os seus filhos para a luta. O Chico daqui não foi assassinado, mas morreu na luta dos companheiros, aos 86 anos, como se tivesse trinta. Um bravo.

Aliás, todos estamos devendo uma homenagem in memoriam ao combativo CHICO CRENTE, pois o título de honra ao mérito que fiz aprovar na Assembléia Legislativa do Acre, o Chico não teve tempo de ir receber. É que Deus o chamou para perto de si, nessas decisões divinas que nos ferem como lâmina de sal e só os anjos podem entender.

Enquanto eu escrevia sobre o Chico, a canoa que subia acima de nós teve o casco furado. Lajotas, telhas, uma moto, alimento e todo material para a conclusão da Igreja Assembléia de Deus Ministério de Madureira de Jordão. O pr. Abel estava inconsolável. Salvamos as coisas e atrasamos três horas de viagem.

Apesar dos obstáculos, o que não falta é esperança. Apesar de suas mãos calejadas, do rosto curtido pelo sol e aquele eterno movimento em espantar os piuns, a gente sente que o povo das margens dos rios nunca deixa de acreditar numa vida melhor.

É só o que ele pode fazer: acreditar. Fica caro ir à cidade protestar, aqui não tem rádio, tv, nenhuma instituição pública e quase não tem efeito fechar o rio. Por isso, o melhor instrumento é a presença.

Ouvir, contar das coisas da cidade, rir e por vezes chorar com o que a gente vê, ouve e sente, abraçar amigos e trazer demandas acumuladas.

Quando viajo por esses rios, eu sempre volto melhor, mais antenado com as minhas culpas, mais sensível aos problemas do povo e mais carregado de energia limpa para enfrentar a subida íngreme e iluminada da cordilheira humana.

A canção latino-americana El Breve Espacio En Que No Estas marca a minha despedida das margens e das águas do rio, porque é o símbolo do que vi e do que senti: ausência.

A tua ausência aqui para me fazer acalanto, a ausência do poder público, a minha própria ausência e a ausência de todos aqueles que sempre abraçaram esses rios.

PS: O rio baixou suas águas repentinamente e eu tive que fazer o caminho de volta, depois de seis dias de viagem. Estou saindo de Tarauacá pela BR 364 e pegando um pequeno avião em Cruzeiro do Sul para participar das últimas noites do Novenário de São Sebastião.







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